Dom Robinson Cavalcanti, ose *
Fui católico romano praticante até os 18 anos de idade e, na infância, pretendi ser padre (tinha um primo cônego), mas tive a minha primeira “crise religiosa” justamente em razão do celibato. Passei por uma experiência de conversão, aceitando a Jesus Cristo como meu único Senhor e Salvador, aos 16 anos. Permaneci ainda dois anos da Igreja de Roma. Fui, em grande parte, educado pelos jesuítas, como aluno do Colégio Nóbrega e da Universidade Católica de Pernambuco, onde me formei em Ciências Sociais e onde fui professor de três departamentos por seis anos. Saí da Igreja de Roma por uma questão de honestidade para comigo e para com a própria Igreja, quando não mais aceitava alguns dogmas e disciplinas. Retive os estudos de Filosofia e da Doutrina Social.
O problema no Brasil, com a massa de católicos romanos nominais ou tradicionais, é o desconhecimento e a desobediência dos ensinamentos daquela Igreja. Muitos querem ser “católicos ao meu modo”, como o sujeito que quer ser atacante em time de futebol, mas insiste no “direito” de pegar a bola com a mão...
Dom José Cardoso Sobrinho é um tradicionalista, uma personalidade arredia e nada ecumênica, mas devo respeitar a sua fidelidade ao que a Igreja de Roma é e ensina. Para a Igreja de Roma, com sua hierarquia e o seu Código de Direito Canônico, se aplica a máxima “ame-a ou deixe-a”. Não adiante exercer o “jus sperneandi”, que ela é não é, nem nunca pretendeu ser, uma organização democrática, acredita no seu “magistério”, e pouco está se lixando para o que seja pretensamente “atual” ou “moderno”.
Se outros grupos religiosos expõem outros entendimentos, temos todos que ser honestos, reconhecendo que, no caso do aborto da menina estuprada pelo seu padrasto, em Pernambuco, Dom José não deu opinião própria, nem falou nenhum absurdo, mas apenas foi transparente, afirmando a posição oficial da sua Igreja. Se médicos, jornalistas ou Presidentes da República pretensamente “católicos” ficaram surpresos ou irados, isso fica por conta da ignorância ou incoerência dos próprios para com a sua religião.
Vivemos em um mundo secularizado, que contesta a autoridade e os valores, que não dá valor à vida, e que fica surpreso quando essa falta de valores e de respeito à vida resulta em injustiças, opressão, exclusão, exploração e toda sorte de violência, inclusive doméstica, entre cônjuges, destes para com filhos e destes para com seus pais e avós. Como Bispo Anglicano, devo expressar, por um lado – e principalmente –, meu compromisso com as Sagradas Escrituras e com o Consenso Histórico dos Fiéis, e, por outro, o que tem deliberado a Conferência de Lambeth, como nosso fórum maior.
No caso específico, os anglicanos, como a maioria dos cristãos, reconhece que o ser humano após o Pecado Original vive distante dos ideais do seu Criador, pecando por pensamentos, palavras, obras e omissões, contra Deus, contra o próximo, contra si mesmo e contra a natureza. Como Protestante, não cremos em pecados “mortais” e “veniais”. Mas afirmamos que todo pecado é pecado, e que todo pecador deve se arrepender, buscar o perdão e novidade de vida; e quando o pecado também for um delito diante do Estado, cumprir a sua pena em uma Justiça confiável. A vida é um dom de Deus, e ninguém, desde a sua concepção, tem o direito de tirá-la.
O aborto não é um direito da mulher em relação ao seu corpo, mas um homicídio qualificado em relação ao ser ou seres que ela gerou (juntamente com o seu companheiro) e que hospeda em seu ventre por nove meses. Somos, em tese, contra o aborto porque somos pró-vida, inclusive depois do nascimento, com a dignidade que a todos o Criador outorgou e que os modelos sócio-político-econômicos, em geral, privam.
Somos favoráveis a todos os métodos anticoncepcionais não-abortivos. Somos favoráveis a campanhas de educação sexual, que inclui a prevenção da gravidez precoce. Somos a favor da paternidade e da maternidade responsáveis, de um Estado responsável e de uma sociedade solidária. Somos favoráveis ao instituto da adoção. Para a Comunhão Anglicana, há apenas uma exceção para que o aborto seja legal e legítimo: quando implicar, concretamente, em risco de morte para a mãe. Isso, porém, deve ser comprovado pela Justiça e pelo Ministério Público mediante atestado técnico assinado por uma junta médica de especialistas. No caso dos menores, deve-se levar em conta, também, o posicionamento dos genitores. O pátrio poder pode, até, vir a ser suspenso, nos casos mais graves e urgentes.
As perguntas de Dom José, e de todos nós, são: poderia a menina ser assistida clinicamente, para superar a sua anemia, e ter fortalecido o seu organismo? Poderia o parto cesariano vir a se dar sem maiores riscos para a mãe? Sim ou não? Se sim, o aborto não se justificaria; se não, o aborto se justificaria. Quanto aos traumas emocionais, esses existiram com ou sem aborto, embora o aborto, em princípio, se constitua em um trauma a mais. Quanto ao estuprador - que cometeu um grave pecado, mas (sem emocionalismos) não se equipara ao tirar uma vida -, que se cumpra a Lei Penal, e que o mesmo se arrependa e se corrija. Que acerte as suas contas com o Juiz Togado e no Juízo Final. O mesmo aconteça com pais omissos, adolescentes lascivos, médicos pragmáticos, jornalistas sensacionalistas, teólogos permissivos ou repressivos, e governantes irresponsáveis.
Que a Palavra de Deus seja anunciada! Que os valores do Reino de Deus sejam anunciados! “Eu vim para que tenhais vida, e vida em abundância”, disse Jesus.
* Bispo Anglicano da Diocese do Recife, é ex-coordenador do Curso de Mestrado em Ciência Política e ex-diretor do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Pernambuco - UFPE.