Liturgia e culturas (CIC § 1204 A 1206)

Por isso a celebração da liturgia deve corresponder ao gênio e à cultura dos diferentes povos [Cf. SC 37-40] . Para que o mistério de Cristo seja “dado a conhecer a todos os gentios, para levá-los à obediência da fé” (Rm 16,26), deve ser anunciado, celebrado e vivido em todas as culturas, de sorte que estas não sejam abolidas, mas resgatadas e realizadas por Ele [Cf. CT 53] ”. E mediante sua cultura humana própria, assumida e transfigurada por Cristo, que a multidão dos filhos de Deus tem acesso ao Pai, para glorificá-lo, em um só Espírito.

"O Magistério da Igreja usou o termo 'inculturação' para designar, com maior precisão, 'a encarnação do Evangelho nas culturas autóctones (nativa) e, ao mesmo tempo, a introdução dessas culturas na vida da Igreja'. 'A inculturação significa uma íntima transformação dos valores culturais autênticos, graças à sua integração no cristianismo e ao enraizamento do cristianismo nas diversas culturas humanas'.

'Com a inculturação, a Igreja encarna o Evangelho nas diversas culturas e, ao mesmo tempo, introduz os povos com as suas culturas na própria comunidade'. Por um lado, a penetração do Evangelho em determinado meio sócio cultural 'fecunda, como que por dentro, as qualidades do Espírito e os dotes de cada povo (...). Fortifica-os, aperfeiçoa-os e restaura-os em Cristo'. Por outro lado, a Igreja assimila esses valores, se compatíveis com o Evangelho, 'para aprofundar melhor a mensagem de Cristo e exprimí-la mais perfeitamente na celebração litúrgica e na vida da multiforme comunidade dos fiéis’. Este dúplice movimento, em ato na inculturação, exprime um dos componentes do mistério da encarnação.

Assim entendida, a inculturação tem o seu lugar no culto, como nos, outros domínios da vida da Igreja. Constitui um dos aspectos da inculturação do Evangelho, que exige, na vida de fé de cada povo, verdadeira integração dos valores permanentes de uma cultura, mais do que das suas expressões passageiras. A inculturação deverá, por conseguinte, estar estreitamente ligada a uma ação mais vasta, a uma pastoral orgânica, que tenha presente a condição humana no seu conjunto.

A inculturação da vida cristã e das suas celebrações litúrgicas terá de ser, aliás, para um povo, no seu todo, o fruto de uma progressiva maturidade de fé.

'Ao entrar em contato com as culturas, a Igreja terá de acolher tudo o que, na tradição dos povos, é compatível com o Evangelho, para levar-lhe as riquezas de Cristo e para também ela se enriquecer com a multiforme sabedoria dos povos da terra' (Papa João Paulo II).

Conciliar as renúncias exigidas pela fé em Cristo com a fidelidade á cultura e as tradições do povo a que pertencem foi o desafio que os primeiros cristãos tiveram de enfrentar, de maneira e com motivação diferentes, conforme provinham do povo judaico ou eram originários do paganismo. E será esse o desafio dos cristãos de todos os tempos, como atestam as palavras de são Paulo: 'Quanto a nós, pregamos Cristo crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os pagãos' (1cor 1,23).

O discernimento que se realizou ao longo da história da Igreja continua a ser necessário para que, por meio da liturgia, a obra da salvação realizada por Cristo se perpetue fielmente na Igreja pelo poder do Espírito, através do espaço e do tempo e nas diversas culturas humanas." (Congregação para o culto divino e a disciplina dos sacramentos a Liturgia Romana e a inculturação).

CIC § 1205

“Na liturgia, sobretudo na liturgia dos sacramentos, existe uma parte imutável - por ser de instituição divina -, da qual a Igreja é guardiã, e há partes suscetíveis de mudança, que ela tem o poder e, algumas vezes, até o dever de adaptar às culturas dos povos recentemente evangelizados [João Paulo II, carta ap. Vicesimus quintus annus 16: AAS 81 (1989) 913] .

"A Igreja não tem nenhum poder sobre aquilo que tem sido estabelecido por Cristo, e que constitui a parte imutável da Liturgia. Posto que, caso seja rompido este vínculo que os sacramentos têm com o mesmo Cristo que os tem instituído e com os acontecimentos que a Igreja tem sido fundada, nada seria vantajoso aos fiéis, mas sim poderia ser gravemente danoso. De fato, a sagrada Liturgia está estreitamente ligada com os princípios doutrinais por que o uso de textos e ritos que não têm sido aprovados leva a uma diminuição ou desaparecimento do nexo necessário entre a lei da oração é a lei da fé " (Redemptionis Sacramentum 10).

"Alguém pode perguntar se existe algum espaço para a criatividade na liturgia. A resposta é que existe, mas ela deve ser entendida corretamente.

Antes de tudo, é necessário ter em mente que o culto público da Igreja é algo que recebemos na fé através da Igreja. Não é algo que inventamos. Na verdade, a essência dos sacramentos foi estabelecida pelo próprio Cristo. E os ritos detalhados, incluindo palavras e ações, foram cuidadosamente elaborados, guardados e transmitidos pela Igreja ao longo dos séculos. Portanto, não seria uma atitude própria para um indivíduo ou comitê ficar pensando e planejando a cada semana como inventar uma nova forma de celebrar a Missa.

A liturgia não é um campo para auto-expressão, livre criação e demonstração de habilidades pessoais. A maneira própria de cada pessoa tendem a atrair atenção à pessoa no lugar dos mistérios de Cristo que estão sendo celebrados. Elas também podem perturbar, complicar, molestar, enganar ou confundir os fiéis.

No entanto, também é verdade que as normas litúrgicas permitem alguma flexibilidade. Com referência à ação litúrgica central e mais importante, a Missa, por exemplo. Primeiramente, existem no Missal e no Lecionário alguns textos alternativos, ritos, cantos, leituras e bênçãos, a partir das quais o sacerdote pode escolher (cf. IGMR 24, RS 39). Depois, existem escolhas que são de competência do Bispo diocesano ou da Conferência dos Bispos. Exemplos são a regulação da celebração, normas relativas à distribuição da comunhão sob ambas espécies, construção e ordenamento de igrejas, traduções e alguns gestos (cf. SC 38, 40; IGMR 387, 390). Algumas dessas alternativas requerem recognitio da Santa Sé. Os mais exigentes níveis de variabilidade dizem respeito à inculturação no sentido mais estrito. Ela envolve ação pela Conferência dos Bispos, após a realização de profundos estudos interdisciplinares e recognitio da Santa Sé.

A Redemptionis Sacramentum é, portanto, capaz de dizer que “se tem dado um amplo espaço a uma adequada liberdade de adaptação, fundamentada sobre o princípio de que toda celebração responda à necessidade, à capacidade, à mentalidade e à índole dos participantes, conforme às faculdades estabelecidas nas normas litúrgicas” (RS 39). A última frase é importante: “conforme às faculdades estabelecidas nas normas litúrgicas”. O parágrafo da Redemptionis Sacramentum conclui com uma observação crucial, recordando que “também se deve recordar que a força da ação litúrgica não está na mudança freqüente dos ritos, mas sim, verdadeiramente, em aprofundar na palavra de Deus e no mistério que se celebra”. O que as pessoas estão procurando todo Domingo no seu pastor não é uma novidade, mas uma celebração dos sagrados mistérios que nutra a fé, manifeste devoção, desperte piedade, conduza a oração e incite a caridade ativa na vida quotidiana." (cf. Francis Cardinal Arinze, 08 de abril de 2005, http://www.adoremus.org/505Arinze.html).

CIC § 1206

“A diversidade litúrgica pode ser fonte de enriquecimento, mas pode também provocar tensões, incompreensões reciprocas e até mesmo cismas. Neste campo, é claro que a diversidade não deve prejudicar a unidade. Esta unidade não pode exprimir-se senão na fidelidade à fé comum, aos sinais sacramentais que a Igreja recebeu de Cristo, e à comunhão hierárquica. A adaptação às culturas requer uma conversão do coração e, se necessário, a ruptura com hábitos ancestrais incompatíveis com a fé católica [Ibid.] .”

Daí, podermos concluir que é até necessária na Igreja a pluralidade e a diversidade dos ritos litúrgicos, mas - claro - mantendo a expressão de unidade eclesial, pois, como observa o Catecismo, “a diversidade litúrgica pode ser fonte de enriquecimento, mas pode também provocar tensões, incompreensões e até mesmo cismas” (nº 1206), podendo essa última observação ser real quando ausente, pois, o verdadeiro espírito de eclesialidade, assim também entendemos.

A diversidade litúrgica, quando legítima, é fonte de enriquecimento e não prejudica a unidade da Igreja. Pelo contrário, “as diversas tradições litúrgicas (ou ritos), legitimamente reconhecidas por significarem e comunicarem o mesmo mistério de Cristo, manifestam a catolicidade da Igreja”.

"Apesar das particularidades locais, a identidade substancial da Ceia do Senhor era guardada em toda parte.

Dentro da espontaneidade de formas vigentes, os antigos cristãos se preocupavam com a conservação da reta fé ou da doutrina ensinada pelo Senhor Jesus e pelos Apóstolos.

A diversidade na unidade foi-se exprimindo e consolidando definitivamente nas chamadas 'famílias litúrgicas' ".(Curso de Liturgia por correspondência, pág. 69, 70 e 71, Escola Mater Ecclesiae, Dom Estévão Bettencourt).

Para refletir:

Amigo(a) ouvinte, na Conferência de Santo Domingo os Bispos Latinos Americanos assinalaram que "muito resta a ser feito na liturgia tanto para assimilar em nossas celebrações a renovação litúrgica desencadeada pelo Concílio, como para ajudar os fiéis a fazer da celebração eucarística a expressão de seu compromisso pessoal e comunitário com o Senhor" (43).

Eles realçam que se perdeu para muitos o sentido do dia do Senhor e da conseqüente exigência eucarística. O amigo ouvinte tem participado da Santa missa dominical como é dever de todo católico?

"Cantai ao Senhor um cântico novo, cantai ao Senhor terra inteira. Cantai ao Senhor e bendizei o Seu nome, anunciai cada dia a salvação que Ele nos trouxe. Proclamai às nações a Sua glória, a todos os povos as Suas maravilhas. Porque o Senhor é grande e digno de todo o louvor." (Salmo 95,1-4).

Diácono Antonio Carlos
Comunidade Católica Nova Aliança