(Com base em: Carlo Maria MARTINI. El presbítero como comunicador.
Madrid: PPC Editorial y distribuidora, 1996, 199 p.)
- Vale a pena lembrar aquelas palavras de Karl Rahner, que nos lembram que a fé que hoje se faz necessária se refere mais ao ato de fé que aos conteúdos da fé: “Numa situação como a de hoje, onde impera a técnica racional, o ‘cientificismo’ da vida, a frivolidade do mundo, é mais importante que a ajuda Igreja consista em despertar continuamente, mistagogicamente, e de exercer o verdadeiro e fundamental ato de fé, em vez de se limitar a apresentar os diferentes conteúdos da fé” (La Iglesia para los demás, Herder, 1970, p. 10).
- Devemos perguntar-nos, portanto, em que consiste precisamente esta fé que é necessário despertar nos outros, para quem pregamos, e como ela deve manifestar-se naquele que a anuncia.
- Podemos anotar algumas características dessa fé para os dias de hoje:
a) Uma fé militante:
- Ou seja, uma fé capaz de enfrentar um ambiente hostil, capaz de viver também em um mundo ouambiente sem fé.
- Madeleine Delbrel, vivendo em ambiente ateu, diz encontrar-se com este paradoxo: parece ser que a fé não consegue resistir precisamente ali onde ela deveria ser anunciada. “Os ateísmos de hoje são para os cristãos tentações ante às quais sucumbem ou sobrevivem a duras penas”.
*Mas, pelo contrário, segundo ela, estes ambientes são para nós lugares aos quais Deus nos destina,circunstâncias favoráveis para o crescimento em nós de uma fé vigorosa que saibamos depois anunciar aos outros.
b) Uma fé convencida:
- Trata-se daquela fé que em muitas regiões era considerada como algo hereditário. (Ser fiel se confundia com o ser cidadão). Tal fé não consegue resistir ao ambiente hostil, increente, porque não está convencida de si.
- Por isso, o primeiro problema da pastoral hoje deve ser ajudar as pessoas a passar de uma fé tradicional, de costume, do ambiente, a uma fé pessoal, convencida, interior, pois é cada vez maior o impacto do secularismo e do ateísmo (Rahner: o cristão do futuro será mistico ou nada, e o pentecostalismo como religião de verniz).
- Madeleine Delbrel fala de que como é difícil a fé sobreviver no ambiente hostil da increência: é uma fé “que se sabe de antemão destinada a receber duros golpes, uns golpes que ela não busca, mas quequando os recebe se sente reforçada. É uma vida onde a paz é luta, onde a excessiva tranquilidade se torna suspeitosa. É necessário aprender que a fé da Igreja militante é um estado violento”.
- Santa Terezinha do Menino Jesus também viveu esse estado de violência contra a fé, mais comoestado interior da alma. Ela viveu os últimos anos de sua vida em uma profunda obscuridade, e escreveu: “me sentei à mesa dos pecadores e dos incrédulos”. O céu estava para ela fechado, mas sua fé se fortalecia.
* De fato, encontramos pessoas consagradas, com uma vida muito intensa de amor, que vivem em uma obscuridade total, bastante parecida com a do increente.
- De fato, a civilização ocidental emana evidentes sinais de decadência. Talvez o mais simples seja a falta de fé, a escassa capacidade de lançar-se, de arriscar-se, de sacrificar-se, e uma excessivanecessidade de seguranças.
* Um sinal disso é a escassa taxa de natalidade. No mundo oriental e latino-americano se vê uma sociedade cheia de vida, de jovens e crianças. Esse problema da Europa revela um grande medo do futuro, falta de confiança e de esperança no dia de amanhã, fechamento em si mesmo, desejo de ter todas as comodidades, pouca vontade de sacrificar-se.
* Todas estas são atitudes contrárias à fé, aquela fé que se atreve, que espera, que se arrisca, que selança, que obedece, que segue adiante em meio à obscuridade (tanta força dos seguros de vida, competições pelo ter segurança para casar-se – Henrique e Paula...).
* Tal atitude está estreitamente ligada com a outra motivação fundamental do ser humano, que é o amor: confiar e amar, confiar com esperança e entregar-se.
c) Uma fé que preenche a vida:
- Uma fé que preencha todos os momentos da nossa vida de Deus, de uma maneira muito simples,penetrando em toda a nossa jornada imprimindo-lhe um ritmo, um gosto, um sentido de vida evangélica.
- Isso só é possível se se faz lugar para a Palavra de Deus em nossa vida. Se não há tempo para Deus, se as obrigações ocupam todo o espaço do nosso tempo, isso é impossível.
* “Receber em nossa vida a mensagem evangélica é deixar que nossa vida se converta, num sentido mais amplo e real do termo, em uma vida religiosa, em uma vida referida a Deus, unida a Ele. A revelação essencial do Evangelho é a presença dominante e invasora de Deus. É um chamado ao encontro com Deus” (Madeleine Delbrel, 79-80). (que Deus seja real).
- Na Segunda Carta aos Coríntios Paulo dá testemunho de que essa plenitude da fé habita nele, e ela que explica o seu comportamento.
- Falando de sua desistência de ir ter com os Coríntios, diz: “tencionava primeiramente ir ter convosco, para que recebêsseis uma segunda graça; a seguir, passaria para a Macedônia; por fim, da Macedônia voltaria a ter convosco, a fim de que me preparásseis a viagem para a Judéia. Tomando este propósito, terei sido leviano? Ou meus planos seriam apenas inspirados pela carne, de modo que haja em mim simultaneamente o sim e o não? Deus é testemunha fiel de que a nossa palavra a vós dirigida não é sim e não” (2Cor 1,15-18).
- Recorre a Deus como testemunha a seu favor, e imediatamente passa disso ao testemunho de Jesus: “Pois o Filho de Deus, o Cristo Jesus, que vos anunciamos, eu, Silvano e Timóteo, não foi sim e não, mas unicamente sim. Todas as promessas de Deus encontraram nele o seu sim: por isto, é por ele que dizemos "Amém" a Deus para a glória de Deus” (2Cor 1,19-20). No meio de seus raciocínios humanos, lembra que o que preenche o seu coração é a plenitude de Deus que se manifesta em Jesus. Isso faz com que sua palavra seja cheia de coerência e fidelidade (quer mostrar que sua decisão não foi tomada com leviandade, mas escutando a vontade de Deus, fazendo de Deus algo absolutamente real).
- Por isso mesmo, termina apresentando a Cristo como modelo de fé e de entrega: “Se nos deixamos arrebatar como para fora do bom senso, foi por causa de Deus; se somos sensatos, é por causa de vós. Pois a caridade de Cristo nos compele, quando consideramos que um só morreu por todos e que, por conseguinte, todos morreram. Ora, ele morreu por todos a fim de que aqueles que vivem não vivam mais para si, mas para aquele que morreu e ressuscitou por eles” (2Cor 5,13-15).
- Por isso, devemos perguntar-nos: Está presente em nosso coração o kerigma, o convencimento profundo de que a morte e ressurreição de Jesus têm uma íntima relação com toda a minha trajetória pastoral? Porque se este convencimento estiver em meu coração, ele brotará espontaneamente em minha pregação e alimentará uma fé militante e convencida que pode preencher uma vida e ajudar a uma sociedade desgregada, que carece de referências fundamentais.
- Perguntemo-nos: Está presente em nossa pregação a plenitude de Deus que temos em nosso coração?Afloram em nossa pregação os grandes temas kerigmáticos como uma constante, portanto também quando falamos de problemas concretos, inclusice quando temos que dar alguns avisos?
- Tenho consciência de que toda a história da salvação, expressada na Sagrada Escritura, tem uma estreita relação com a minha história pessoal e do mundo? É a Palavra da Bíblia para mim umaparábola da minha própria vida? Consigo expressar isso de maneira espontânea em minha pregação? (importância de Jonas, Jeremias, Elias... em minha vida espiritual).
- Que lugar ocupa a Palavra de Deus em minha vida pessoal, de maneira particular a Lectio Divina?
- È precisamente isso que Rahner quer dizer quando afirma que hoje a fé deve ser despertada “mistagogicamente”, ou seja, que ela é fruto não somente da palavra que trata de comvencer, mas mais ainda da palavra que brota da oração, da liturgia, do modo de expressar nosso contato com o mistério divino.
- A palavra do pregador convence quando é em primeiro lugar vivida (Charles de Foucauld: pregar o Evangelho com a vida). Aqueles pregadores cuja existência evoca a Deus e seu mistério, evoca os grandes valores, graças a uma maneira simples de viver, de agir, de sofrer e até de morrer (João Paulo II, Paulo Fontaine).
- Palavras do Cardeal Martini: “Não devemos ter medo de ensinar o povo a rezar: o homem tem uma instintiva propensão à oração, e o Espírito Santo o move nesta direção. Não devemos ter medo de ajudar o povo a perceber, mediante o exercício da oração, do silêncio, da adoração, o mistério do Deus transcendente que nos alcança. Este ensino pertence também à palavra da fé” (ensina teu povo a rezar Maria mãe de Jesus: começar as palestras com pequenos refrões cantados).