Sobre “reis” e “mendigos” - A morte de Michael Jackson

AUTORIA – Mons. José Ignacio Munilla
TRADUÇÃO LIVRE – Ammá Maria Ângela de Melo Nicolleti
FONTE - www.scholaveritatis.org

A morte do cantor Michael Jackson, recém acontecida, e quando os meios de comunicação se prodigalizam em difundir a notícia com todo tipo de detalhes e especulações, eu me encontrava com um grupo de adolescentes que recebiam o Sacramento da Confirmação. Parecia lógico que aquela notícia caberia em nossa conversa, levando em conta o eco que estava alcançando.

Não creio que se deva convencer ninguém sobre a influência tão notável que podem chegar a ter as estrelas musicais em nosso horizonte cultural, moral e espiritual, e, especialmente no caso dos jovens. O fato de que um ícone tão destacado da música moderna, considerado como o “rei do pop”, tenha levado uma vida tão contraditória e concluído seus dias de uma maneira tão dolorosa, nos convida a uma serena reflexão sobre a fragilidade dos valores da cultura ocidental:

- Sabem? Também eu tinha mais ou menos a mesma idade de vocês quando o Elvis Presley, o “rei do rock”, morreu. Não lhes parece muita casualidade que estas duas “estrelas” tenham morrido de uma forma tão semelhante?

- Que casualidade, que nada! - me respondeu um daqueles jovens. O próprio Michael Jackson havia manifestado que tinha medo de “terminar como Elvis”.

Não é preciso acrescentar mais nada: nossos jovens são bastante mais lúcidos de pensamento do que, muitas vezes, costumamos supor.

DIVÓRCIO ENTRE O GOSTO ESTÉTICO E O BEM MORAL

O fato de que a cultura dominante esteja tão profundamente marcada pelo subjetivismo e o relativismo, contribui mais para que o gosto estético seja entendido como algo puramente arbitrário (sobre gostos não há nada escrito!). São muitos os que pensam que seus gostos e inclinações musicais nada têm a ver com os valores de sua vida, principalmente quando, em muitos casos, custa-nos entender a letra das canções.

O certo é que, alguns mitos ou “ícones” musicais exemplificaram com suas vidas o inexorável beco sem saída ao qual conduz a dissociação entre a estética e o bem moral do ser humano.

Como se entende que um artista alcance o clímax de sua carreira profissional, ao mesmo tempo em que cresce seu grau de desesperança? Como é possível que a opinião pública dirija sua admiração a uns “reis” que, no fundo, não são senão “mendigos” de uma felicidade, a qual são incapazes de alcançar?

A HUMILDADE DE SABER-SE INSTRUMENTO

Como é difícil se manter no cume da fama sem se corromper! Como é fácil cair na tentação de um endeusamento que acaba por obscurecer o valor da obra artística! Possivelmente, uma das tentações mais freqüentes no mundo do espetáculo consista em desviar a atenção do objetivo para o subjetivo: da obra musical, ao ídolo cantor, do desporto, à estrela galáctica..., erminando por fomentar um culto à imagem, que anula a consciência de saber-nos “instrumentos” de um mistério de verdade e de bondade que nos precede e nos supera.

A vida e a morte de Michael Jackson escondem a tragédia de toda uma geração incapaz de alcançar uma liberdade pela qual suspira. Até que ponto estamos marcados e condicionados pelas feridas geradas pela desestruturação familiar? Em que consiste a liberdade: em fazer o que queremos ou em querer o que nos cabe fazer? Em última análise: a felicidade consiste em inventar uma realidade conforme o nosso capricho, ou, antes, em querer conformar nosso desejo com a vontade divina?

Michael Jackson foi uma “parábola” – e ao mesmo tempo uma “vítima” – de nossa época, um “paradigma” do ocidente carente de cimentos sólidos, capaz do melhor e do pior, generoso e caprichoso, materialista e idealista... um gênio tão contraditório como nossa própria cultura.

Não seria justo que colocássemos no mesmo saco todas as experiências da música moderna. Existem tentativas sérias a ponto de plasmar uma mensagem de esperança em expressões musicais inovadoras, como é o caso do conjunto irlandês U2, que se apresenta nestes dias em Barcelona. Numa recente entrevista, o solista do grupo, Bono, declarava que havia se inspirado na arquitetura do mestre Gaudí para criar o cenário de sua tournée:

- Gaudí fazia um lugar onde as pessoas podiam rezar. E, para nós, a música é uma oração. Às vezes é para Deus, às vezes é ao teu amor, porém, sempre uma oração.

De fato, a chave de um produto musical de qualidade não pode estar exclusivamente no gênio do artista, mas também em sua proposta de sentido, além da coerência moral de sua vida.