Esclarecimento vocacional

AUTORIA - Jesús Sastre García
TRADUÇÃO LIVRE – Amma M. Ângela de Melo Nicolleti, NA
FONTE – www.mercaba.org

Na etapa pós-conciliar, deu-se muita importância às ciências psicossociais nos processos de amadurecimento da pessoa, na pedagogia religiosa, na ação pastoral e na relação de ajuda, tanto para resolver problemas como para orientar a vida.

O corpo doutrinal que fundamenta esta visão do crescimento humano situa a pessoa concreta no centro de suas preocupações, e sublinha a importância dos aspectos afetivos na interpretação e resolução dos problemas pessoais.

A chave desta pedagogia está na conjunção de objetivos, necessidades, interesses e amadurecimento pessoal. O termo integração se manifesta como um dos que proporciona maior rendimento educativo, pois direciona para a unidade do "eu", assim como a coerência entre a situação na qual se encontra e as metas para as quais se aponta.

E.M. Erikson fala de uma série de atitudes básicas que vão construindo a pessoa humana através das diferentes idades evolutivas.

Em cada uma destas etapas, nos relacionamos com pessoas significativas que nos ajudam a sermos nós mesmos. As principais atitudes que vão configurando o ser adulto e as pessoas que intervém na formação das mesmas são: a confiança básica ( o pai e a mãe), a autonomia (a família), a iniciativa (a família e os companheiros de brincadeiras), a afetividade (a escola), a identidade (os grupos de iguais), a intimidade (o casal e a família), a produtividade (a família e o trabalho) e a integridade do "eu" (a sociedade).

Estas atitudes básicas não surgem sem a presença de virtudes como a esperança, a força de vontade, a fidelidade, a responsabilidade, a reflexão e o amor.

1. ESCLARECIMENTO DE TERMOS

O Papa Paulo VI – na Populorum Progressio, 14-15 – disse que "toda a vida é vocação". Em conseqüência, a vocação é para todas e cada uma das pessoas. Ela afeta o ser humano como totalidade e unidade. Portanto, devemos falar de vocação e de vocações.

Todas as vocações têm alguns elementos constitutivos que são comuns:

- O chamado.

- A resposta.

- O estilo ou estado de vida.

- A missão.

As diferenças entre as vocações estão no modo de concretizar cada um dos elementos comuns à vocação. Conseqüentemente, não se podem igualar todas as vocações, nem tão pouco se devem privilegiar umas a respeito de outras. O importante é que cada um conheça a vocação à qual Deus o chama e responda com todo coração, pois através dela se dá o chamado à santidade, que é única e universal.

Por orientação vocacional entendemos as ajudas que um crente recebe para poder responder, adequadamente, às perguntas fundamentais da vida: quem sou, o que devo fazer, quais aptidões e atitudes tenho para responder adequadamente, como chegar a conhecer a vocação pessoal e como saber que não me engano na vocação à qual me sinto chamado. As ciências humanas, sobretudo a Psicologia e a Pedagogia, são uma ajuda imprescindível, tanto para não nos equivocarmos na escolha como para percorrer de forma adequada o caminho que leve ao discernimento vocacional.

Os dois termos do enunciado - orientação vocacional - supõem uma determinada visão filosófica da realidade humana. Há que se reconhecer que existem formas de entender a vida humana como algo debruçado sobre o próprio "eu", sem valorizar adequadamente a abertura para a realidade humana interpessoal, estrutural e histórica. Ao contrário, existem outras visões da pessoa estruturadas a partir das relações, do dinamismo histórico e da projeção da existência com esperança e utopia.

Como crentes, a Antropologia Teológica é que nos orienta. Ela considera o homem como imagem de Deus, essencialmente comunitário e fazendo história de salvação na humanidade, a partir do compromisso solidário com os mais desfavorecidos.

Ao falar da vocação, há que se superar qualquer dicotomia e evitar os possíveis reducionismos. A vocação comporta um estilo e um estado de vida e um agir profissional. Importa muito que estes três componentes sejam vividos como elementos constitutivos da vocação em harmonia e coerência, porém também com realismo, isto é, fugindo de perfeccionismos impossíveis e desenvolvendo as possibilidades concretas de cada pessoa.

2. A ORIENTAÇÃO VOCACIONAL LEVA AO DISCERNIMENTO

O crente deve buscar em cada momento e situação o que agrada a Deus (cfr Rm 12, 2; 14, 8; 2 Cor 5, 9; Ef 5, 10; Fl 4, 18; Cl 3, 20; Tt 2, 9). Isto não é algo evidente ou espontâneo. Pelo contrário, o crente deve usar todos os meios para descobrir pessoalmente qual é a vontade de Deus.

O termo discernimento aparece 22 vezes no Novo Testamento e constitui uma das categorias básicas para se entender a vida cristã. Esta visão neo-testamentária situa o viver cristão num horizonte novo: não é o cumprimento de uma norma que agrada a Deus, mas, sim, a busca pessoal de Sua vontade. O regime da lei foi superado por Cristo (cfr. Rm 10, 4; 7, 1-4) e estamos no regime da graça (cfr. Rm 6, 14). O importante é que a novidade e as possibilidades do Evangelho alcancem a pessoa toda e todas as pessoas (1 Cor 9, 19-23). "Quando Paulo fala da libertação a respeito da lei, não se refere somente às observâncias legais e às cerimônias rituais que os judeus praticavam, mas, além disso, e, sobretudo, refere-se à lei em seu sentido mais geral, isto é, refere-se à lei enquanto manifestação da vontade preceitual de Deus, cuja expressão culminante é o Decálogo" (3).

Conforme Rm 12, 1-2, o culto verdadeiro é o discernimento da vontade de Deus, que tem a ver com o comportamento básico dos cristãos (Ef 5, 8-10; Fl 1, 8-11) e seus possíveis desvios (1 Cor 11, 28-29; 2 Cor 13, 5-6; Gl 6, 4-5). A maturidade cristã e o viver segundo o Espírito estão intimamente relacionados com a capacidade de distinguir o bom do que não é bom (Hb 5, 14; Jo 4, 1).

O discernimento das questões importantes exige uma condição básica: que nos crentes tenha acontecido a conversão do coração que permita uma forma renovada de ver e analisar o que é a vontade de Deus (Rm 12, 2 e Ef 4, 17-24).

A primeira manifestação desta nova mentalidade consiste em se situar de forma crítica e alternativa diante da moral predominante e da ordem estabelecida (1 Cor 1, 20-28). Estas são expressões dos interesses egoístas dos poderosos segundo este mundo. Esta condição é, todavia, mais importante para o discernimento vocacional, porque a vocação cristã supõe um estilo de vida evangélico, estruturado a partir da conversão do coração, da referência eclesial e do trabalho pelo Reino. Na medida em que o crente vá entrando em comunhão de vida com a pessoa de Jesus Cristo e vá tendo"Seus mesmos sentimentos", vai crescendo no amor a Deus e ao próximo. Cada pessoa discerne a partir dos valores que vive cotidianamente. Por isso mesmo, somente quem vive a experiência do amor evangélico pode discernir adequadamente o que agrada a Deus (Ef 5, 10), o melhor (Fl 1, 9-10; 1 Ts 5, 21-22; Hb 5, 14) e o qual é a vontade de Deus (Rm 12, 2).

O perigo, em todo processo de discernimento, seja vocacional ou não, está em assumir como vontade de Deus o que pode não sê-lo. Como o cristão sabe que a opção tomada é a que Deus pede? No Novo Testamente e, mais constantemente nos escritos paulinos, há uma correlação entre o discernimento evangélico e os frutos da vida cristã (Ef 5, 8-10 e Fl 1, 9-11). O que acaba não dando bons frutos não se pode aceitar (Mc 11, 14; Mt 3, 10; Lc 21, 43; Lc 13, 6-9 e Jo 15, 6). Frutos são todas as obras que manifestam domínio das paixões, respeito e tolerância, fidelidade, humildade, alegria, paz e amor inclusive aos inimigos. Nas relações, projetos e compromissos em que aparecem estes frutos, é mais fácil encontrar a vontade de Deus. Onde predominam as rupturas, os interesses, os partidos, as injustiças, não se pode discernir a vontade de Deus (1 Cor 13, 3).