Educar na sobriedade em nossa sociedade consumista

AUTORIA – Jutta Burggaf[1]
TRADUÇÃO LIVRE – Ammá Maria Ângela de Melo Nicolleti, NA
FONTE – www.es.catholic.net

Há pouco, um menino – Björn – celebrou seu décimo segundo aniversário. Para essa ocasião, os pais haviam organizado uma festa: convidaram os avós, vários tios e muitos amigos. Depois dos cumprimentos, Björn viu-se rodeado de um montão de pacotes de todos os valores e cores. Sem dizer nenhuma palavra, começou a desfazer o primeiro, olhou o presente e o colocou de lado. Depois desfez o segundo, olhou o presente e o pôs ao lado do primeiro. Assim, continuava desfazendo os pacotes em silêncio, enquanto que os demais visitantes, cada vez mais tensos, formaram um círculo ao redor dele. Björn olhou os presentes e os pôs ao seu lado. Por fim, um dos tios lhe perguntou: "Não gosta de nenhum dos nossos presentes?" E a resposta taxativa foi: "Se não digo nada, é porque tudo está bem".

Assim é a sociedade de consumo. Estamos acostumados a ter muitas coisas e a receber cada vez mais. Isto traz consigo alguns perigos e desafios. Porém, antes de falar deles, quero sublinhar uma coisa. Nossa sociedade não é "má". Há aspectos positivos e negativos como todas as outras. É a sociedade que nos cabe viver, e podemos nos sentir muito felizes por viver nela. Desfrutamos da internet e temos contato com pessoas estupendas em todo o mundo. Alguns pretendem distanciar-se da técnica e das demais conquistas apaixonante do nosso tempo. Outros rechaçam abertamente nossa civilização. Desenvolvem certo cinismo e difundem um pessimismo cultural. Estas atitudes são preocupantes: criam, com freqüência, um clima asfixiante que apaga qualquer iniciativa e apenas deixa respirar e pensar livremente. Bloqueiam as aspirações nobres dos que se sentem pioneiros de um novo milênio. E o que é mais importante: não parece que se inspirem na Boa Nova de Jesus Cristo. Não dão lugar a um amor autêntico por tudo o que é humano, nem à alegria profunda de quem se sabe filho de um Pai onipotente e misericordioso. Não se trata de desprezar os bens desta terra. Trata-se, antes, de utilizá-los retamente, com verdadeiro domínio e liberdade, e de pô-los ao serviço da pessoa humana e de Deus. Trata-se, definitivamente, de viver segundo a dignidade de nossa natureza na sociedade que nos rodeia.

Porém, como é essa sociedade? Compreendem-se as propostas cristãs hoje em dia? Os educadores podem perceber alguma inquietude religiosa nos jovens? Podem, ao menos, contar com certa sensibilidade para as questões que correspondem à transcendência?

1. O BACKGROUND CULTURAL

Em nossa cultura atual, muitos vivem certo ateísmo prático, porém poucos falam da "morte de Deus". Os grandes teóricos da secularização (e da construção de um

mundo sem Deus) abandonaram, já nos anos 70, suas antigas posições em nome das quais tantos cristãos sentiram o dever de mudar sua vida notavelmente. Um desses antigos mestres chegou, inclusive, a afirmar que "a mudança de estruturas, sem que o homem mude-se a si mesmo, é uma grande ilusão".

O ANTIGO MOVIMENTO "HIPPY"

Parece que há uma relação entre o abandono do movimento da "morte de Deus" e a aparição do fenômeno "hippy", típico daqueles anos. Alguns qualificavam os "hippies" como neomísticos. Sua mensagem ao povo do Ocidente não era cristã. Porém, pode-se negar que se inspirava em alguns valores do Evangelho? Rezava mais ou menos assim: "Não se deixem enganar! As novas sociedades consumistas não lhes trazem a liberdade tão desejada. Engendram muito mais um novo tipo de escravidão, porque os seduzem para prendê-los a um sem fim de coisas superficiais e supérfluas...". Os mesmos "hippies" arcaram com as conseqüências.

Negavam-se a acumular riquezas, estavam despreocupados com a construção deste mundo, desejosos de não se inserirem no sistema, temerosos de que uma mudança de estruturas somente serviria para levar a um bem-estar material ainda maior. Optaram por uma vida alternativa, marcada pelo "desprendimento" otimista, a festa e a contemplação. O fenômeno, em sua tradução religiosa inclusive cristã, como pode ser o movimento "Jesus-People", não se interessou por Jesus porque fora para resolver os problemas sociopolíticos (dos quais o "hippy" se afastou voluntariamente), senão porque traz a paz ao coração. Isto significa, consciente e inconscientemente, que buscava algo que pertence à experiência religiosa.

Os movimentos "hippy" e "Jesus-People" reintroduziram em nossas sociedades algo muito interessante, que representa, além disso, um elemento antissecularizante: por um lado, é a recusa a uma vida consumista, cômoda e aburguesada e, por outro lado, a celebração das festas, a importância dos ritos. São estas, sem dúvida, práticas importantes que rompem a monotonia do profano. Porém, nem os "hippies" nem os "Jesus-People" se esforçaram por fundamentar suas práticas em uma teoria. Não conseguiram unir suas experiências religiosas com uma doutrina clara. Deste modo, não conseguiram transmitir seus valores a uma nova geração.

Os filhos dos "hippies" já não recusam a sociedade consumista, mas estão completamente imersos nela. Em geral, não são revoltados como seus pais. São bons "meninos", agrada-lhes o dinheiro, e, muitos deles, "não se sentem capazes de forjar um futuro", segundo os resultados de um estudo italiano. Cada vez mais jovens se sentem inclusive tão à vontade na casa de seus pais que, diferentemente das gerações anteriores, não têm ganas de sair dela, se independer e criar uma família própria. Por que terminar logo os estudos e começar um trabalho remunerado, se se tem uma vida tão fácil e cômoda na família de origem? Às vezes, parece que apenas têm projetos e metas pessoais, apenas aspiram a algo que não tenha a ver com o bem-estar material, apenas expressam perguntas, inquietudes e preocupações.

A "espiritualidade" securalizada

Olhando a cultura que nos rodeia, costuma-se falar dos "novos deuses" que aparecem nas revistas e filmes e, logicamente, nos meios eletrônicos. São atores e atrizes, desportistas, cantores e outras personalidades da vida pública, dos quais se fez um ídolo e, depois da morte, um mito.

Costuma-se falar, às vezes, de uma "nova espiritualidade secularizada". É a espiritualidade do esoterismo, da New Age e das visões orientais do mundo, o fruto de uma religiosidade sincretista e pluralista, na qual se adora a natureza e as estrelas, e também a saúde, a juventude e a beleza. Alguns a vêem na raiz de qualquer fenômeno de moda. Assim, se ouve, por exemplo, que até no exercício físico e no afã ecológico se manifesta a "espiritualidade". Correr é interpretado como uma viagem mística, como um ir "além" de si mesmo para por à prova as capacidades do corpo e conseguir experiências espirituais...

Certamente, cada vez mais pessoas estão dispostas a realizar autênticos sacrifícios para cuidar das plantas e do próprio corpo. Dedicam-se diariamente à caminhada, comem pouco mais que iogurte e maçãs, fazem seu próprio pão, participam com entusiasmo em manifestações contra a energia atômica e gastam generosamente seu tempo em observar o meio ambiente. As preocupações pela saúde e pelo ar puro dão lugar, além disso, a várias formas de ascese e a uns rituais estreitos: há que se fazer quinze flexões pela manhã, levantar o tronco trinta vezes ao meio dia, saltar cincoenta vezes sobre o próprio terreno à noite... Tudo isso é bom e às vezes necessário, por um lado, exagerado por outro lado. Pode-se descobrir nisso certo (e frouxo) despertar do velho espírito "hippy", com suas ânsias por uma vida simples e com a recusa de tantas coisas supérfluas. Sem dúvida, resulta sumamente confuso falar nesses casos de "religião" e de "espiritualidade".

É possível que o "manter-se em forma" ou a conservação da água limpa se convertam no último sentido da vida? É aconselhável ver os acontecimentos do mundo apenas sob as exigências da ecologia ou da saúde? Esse modo de viver pode diminuir a liberdade e levar à mania. E as teorias que fundamentam tais comportamentos, ao invés de ter traços de religião, parecem-se mais com traços ideológicos. São certos sinais de desespero, e mostram o que acontece quando Deus está ausente. Temos que levar em conta que, quem, hoje em dia, adora o sol ou dirige suas orações à "Mãe Terra", não é já um ingênuo crente de mais de 20 ou 30 séculos atrás, mas o desencantado intelectual e cientista. Chesterton disse uma vez com muito acerto: "Quando se deixa de crer em Deus, já não se pode crer em nada, e o problema mais grave é que então se pode crer em qualquer coisa".

Por outro lado, olhando a cultura contemporânea, fica patente que os homens estão ansiosos por religião. Têm verdadeira fome de crer, ainda que essa necessidade seja muitas vezes inconsciente. Se não encontram o Deus transcendente, criam-se os deuses da imanência. Porém, junto a esse fenômeno, pode-se encontrar também uma manifesta nostalgia para com o cristianismo, ao menos em alguns ambientes, e, às vezes, nos lugares mais inesperados. Basta pensar na música rock e no êxito espetacular das canções de Bob Dylan que falam do Deus dos cristãos e de um amanhã melhor, de paz e compreensão. O homem, hoje como antes, se deixa fascinar pela mensagem cristã. Não pode ficar satisfeito com uma "espiritualidade secularizada" e uma "religião pluralista". Pode, em compensação, chegar a ser feliz sendo um cristão autêntico numa sociedade secularizada e pluralista.

2. CAMPOS DE INFLUÊNCIA

Se quisermos educar os jovens, será necessário cumprir com uma primeira condição que consiste em ter em conta essas mudanças sociais que aconteceram nas últimas gerações. O mundo, evidentemente, não é o mesmo que ra a 20, 30 ou 50 an0s; as condições nas quais vivemos mudaram notavelmente, inclusive nos ambientes mais "burgueses". Não se trata apenas de uma melhora daquilo que costuma se chamar "nível de vida", senão algo muito mais profundo; deu-se uma verdadeira mudança no modo de vida: televisão, avião, automóvel, computador, internet, etc... mudaram a nossa vida. Tão pouco nós somos os mesmos. Percebemos o mundo, sentimos, pensamos e reagimos de outra maneira que nossos avós. Assim, as exigências para uma boa formação são diferentes de antes. Sem dúvida, alguns educadores parecem pensar que as crianças seriam como a erva, sempre iguais. Isto é um erro e pode ser, às vezes, a causa da ineficácia.

Hoje em dia, nas sociedades de consumo, as crianças não são educadas como antes. Desde muito tempo, já não estão somente sob a influência da família e da escola. Há muitos co-educadores que atraem os jovens aos valores mais contraditórios. Estes são, por exemplo, a televisão, a propaganda e o grupo de companheiros da mesma idade. Exercem uma grande influência sobre os jovens e, supostamente, também sobre os adultos. Vamos considerar brevemente estes três co-educadores que determinam consideravelmente o comportamento consumista.

2.1. A televisão

Na nossa sociedade, a televisão é, sem dúvida, a fonte principal de informação e de deformação. Consumimos notícias de todo mundo, talkshows e filmes sem parar. Não são poucas as casas nas quais a televisão fica acesa todo o dia, inclusive durante as refeições. Isto dificulta o diálogo, favorece a comodidade. Há estudos que dizem, em suas conclusões, que as crianças européias vêem uma média de quatro horas diárias de televisão. Nos Estados Unidos, parece que vêem mais, até seis horas ao dia, segundo pesquisas do especialista Milton Chen, de San Francisco. Assim, quando um garoro começa o ensino médio, viu 18.000 horas de televisão e passou 13.000 horas na escola. Sua cabeça está cheia de imagens. Porém, inclusive o mais ávido telespectador se vê, de vez em quando, afastado da sua tela, tendo que se defrontar com a realidade da vida cotidiana. Então, encontra-se imerso num mundo inevitavelmente menos emocionante do que aquele das imagens.

A vida diária pode resultar lenta e aborrecida; normalmente não é tão dinâmica como um filme. É compreensível que se possa ter ganas de fugir, voltar o quanto antes ao mundo fantástico da televisão, e não se queira sair dele. Assim, a televisão pode chegar a ser uma droga. Ela foi chamada, não sem razão, de uma "droga eletrônica". Dá o que pensar que exista também a televisão tamanho cassete que se pode levar num transporte público, para não estar sozinho consigo mesmo nem quinze minutos.

O que fazer nesta situação? É compreensível que algumas pessoas adotem uma postura defensiva: proíbem seus filhos de ver a televisão, ou nem sequer querem ter um aparelho na sua própria casa. Esta tentativa radical pode ser enriquecedora para a vida familiar e a própria cultura. Sem dúvida, não parece que seja o mais apropriado para as ameaças do nosso tempo. Com controles e censuras, hoje em dia, praticamente não se consegue nada. Um aluno pode acessar, por um cabo ou satélite, todas as informações que quiser; pode ver os programas mais nocivos nos bares, ônibus ou barracas, nas casas dos amigos ou na própria casa, quando os pais estiverem fora. Recordo que uma boa senhora me contou uma vez que havia discutido muito com seus filhos adolescentes sobre um determinado filme cheio de cenas de brutalidade e erotismo: os filhos queriam assisti-lo e os pais o proibiram. No dia em que esse filme saiu na televisão, a senhora tinha que acompanhar seu marido numa reunião importante. Como não estava segura de que seus filhos iriam obedecer ou não, levou a televisão consigo no carro. E os filhos assistiram o filme na casa dos vizinhos.

Não se consegue nada com proibições. A meta não pode ser uma simples renúncia. Isto é utópico e pouco atraente. Faz falta um esforço maior. É importante ajudar os filhos, com argumentos sólidos, a utilizar bem a televisão, a tomar uma atitude crítica positiva diante dela e descobrir suas vantagens e desvantagens.

A televisão não é um inimigo; não é necessariamente uma "caixa boba". Pode ser um bom amigo, um instrumento eficaz ao serviço da cultura e da educação. Um dos diretores da televisão alemã costuma dizer: "A televisão faz os preparados mais preparados e os tontos mais tontos". Comvém aproveitá-la bem. Para consegui-lo, é recomendável ver a televisão em família e conversar depois sobre o que se viu. Assim, o aparelho tão temido pode se converter realmente no "co-educador" no sentido mais pleno da palavra. Pode abrir novos horizontes e transmitir autênticos valores. Pode-se descobrir também a própria responsabilidade pelos programas, escrevendo cartas ao diretor... . Deste modo, cada um pode sair do anonimato e da passividade tão próprios da sociedade de consumo. Cada um pode contribuir em buscar "uma televisão com rosto humano", isto é, uma televisão na medida do homem e não de um homem na medida da televisão.

2.2. A propaganda

Outra grande fonte de influência é a propaganda. Enquanto que, olhando a televisão, se está já consumindo, a propaganda nos oferece os produtos mais variados para consumir: viagens, carros, roupa, comidas exóticas, vídeos, discos... . Se passearmos por uma cidade e olhamos ao nosso redor, pode acontecer que até as coisas mais excêntricas nos pareçam necessárias e urgentes. Queremos tudo para nós; queremos tudo agora. Não consumimos apenas objetos; consumimos também homens e paisagens... . (Os ecologistas tinham que nos recordar isso nos últimos anos). A propaganda atua através de todos os meios de comunicação social, até os anúncios nas paradas de ônibus, os eslogans que se ouvem na rádio, inclusive às seis da manhã e às doze da noite – ou os cartazes, pequenos e grandes, que decoram os supermercados.

O homem de hoje, muitas vezes, vê reduzido seu horizonte vital ao mero consumo de produtos. Este superdesenvolvimento o faz facilmente escravo da posse e do gozo imediato, adverte o Papa João Paulo II, "sem outro horizonte senão a multiplicação ou a contínua substituição dos objetos que possuem por outros mais perfeitos". Esta atitude se reflete já nas crianças: têem muitos mais atrativos e prazeres que nas gerações anteriores, e desejam, porém, muito mais. Qualquer capricho pode desencadear reações insuspeitas, quase frenéticas. E a propaganda as estimula continuamente.

O que fazer nesta situação? É claro que a propaganda se assemelha à televisão. Há que se adotar a mesma atitude diante dela. Não se vai recusar todas as ofertas, porém, sim, é preciso aprender a utilizá-las bem. Não se pode esperar do mercado livre que aja segundo princípios pedagógicos ou formativos. Ao mercado não interessa se uma coisa é boa para um menino ou não. Somente lhe interessa o que se pode vender a um menino ou uma menina. Está claro que as ofertas superam sempre as possibilidades econômicas e temporais de qualquer pessoa normal. Não se pode nem se deve adquirir tudo.

Há que se fazer escolhas. E há que ajudar os jovens a fazer escolhas prudentes. Cada pessoa tem que ter seu próprio critério, segundo sua situação pessoal. É preciso apender a decidir, a aceitar e a renunciar. É preciso também desenvolver um ceticismo sadio diante da propaganda. Se os pais dialogam com seus filhos sobre os anúncios, podem orientá-los. Às vezes, convém também explicar-lhes abertamente a situação financeira da família. Então, podem alcançar um critério sólido para seu comportamento pessoal. Isto, claro, é menos cômodo que dar-lhes dinheiro para que comprem o que quiserem; e é mais exigente que proibir-lhes todas as compras ou repreender permanentemente.

2.3. O grupo dos companheiros

Todos os pais sabem muito bem: a hora de orientar o comportamento de consumo dos filhos há que contar com um fator detrminante, que é a influência dos companheiros. Os sociólogos já não falam do grupo, mas do cenário dos jovens. Com este termo, querem dizer que os jovens formam uma espécie de subcultura. Em suas ramificações extremas, é o cenário das drogas, das seitas, dos neonazistas e dos hooligans.

Considerando suas expressões mais moderadas, pode-se dizer de todas as maneiras que é uma classe de consumidores à parte. Têm sua roupa determinada, sua música, seus ídolos, sua linguagem, sua Coca Cola... . As estrelas de cinema, os jogadores de futebol ou tênis, os cantores, esses são os heróis admirados. O último prêmio Nobel da literatura simplesmente ninguém o conhece nem o leu. Porém, o gol do dia, os atores e modelos, todo mundo os conhece. E se gasta dinheiro para vê-los de perto, ou para ter uma camisa com o seu nome ou um compact com a sua voz. Isto, claro, é um fruto das nossas sociedades de consumo; não existe nos povos da África nem nas ilhas do Pacífico. Na Alemanha, a música rock dos anos 50 foi a primeira música específica para a juventude. A partir de então, os jovens dispunham de suficiente dinheiro próprio para criar e manter uma cultura própria. Em outras palavras, o palco juvenil é um fenômeno de luxo.

Os pais que querem educar seus filhos têm que levar a sério este fenômeno. Têm que contar com a influência dos companheiros e saber que a renúncia a uma determinada coisa pode chegar a ser um "problema existencial" para um adolescente. Pode ser um problema grave, não somente porque o menino gosta tanto deste objeto, mas porque a pressão de seu grupo pode ser muito forte. Em alguns ambientes – inclusive nos melhores colégios – existe um verdadeiro terror de consumo: uma pessoa que não tem roupa de uma determinada marca, ou que não viu uma determinada página web, não conta nada. É duro ficar à margem!

Os valores que se transmitem nesta subcultura, direta ou indiretamente, se opõem à tradição e, às vezes, significam uma mudança radical da atitude cristã. Fixemo-nos no futebol que, em alguns ambientes, adquiriu traços de uma nova religião moderna. Assim, por exemplo, o Clube de Hamburgo canta com entusiasmo: "You never walk alone" ("Tu nunca andas só"). Porém, nesta nova religião, Golias costuma vencer Davi. O maior é o triunfador ("We are the champions") e não aquele que sabe perder com dignidade. Um treinador alemão disse numa entrevista: "Estamos condenados ao êxito". É uma religião de medo, inclusive de violência e não de serenidade e paz.

O que os pais podem fazer? Seria absurdo proibir aos filhos ver o futebol. Além disso, isto apaixona também os adultos e tem realmente seus aspectos fascinantes. Igualmente, seria pouco realista tentar afastar os filhos de todos os sucessos ou proibi-los de todos os artigos de consumo próprios de sua idade. Poderia levar a tensões muito grandes, a conflitos insuportáveis. Conheço uns pais muito bons de uma família numerosa que agiam desta maneira. Seus três filhos maiores têm graves transtornos psíquicos porque não aguentavam ser "diferentes" de seus compnaheiros. Depois desta experiência, os pais mudaram seu estilo de educação.

Vivemos numa sociedade pluralista. O que os adolescentes vêm e escutam em sua casa, muitas vezes não coincide com o que escutam no colégio, na rua e em outras casas. Todos os esforços que se encaminham para uma unidade de formação são muito importantes e dignos de elogio. Os colégios que agem conforme um bom projeto educativo, por exemplo, são uma grande ajuda para a formação. Porém, há que se levar em conta que os desafios com os quais se tem que enfrentar hoje em dia são maiores que antes. Não somente há que se dar uma boa formação, mas há que se dar uma formação tão boa e profunda que os alunos possam se inserir logo numa sociedade pluralista e viver em paz com outras pessoas que têm planos completamente diferentes, sem se escandalizar nem se abater. Em definitivo, há que se lhes dar uma boa formação e muita fortaleza. Os jovens saem de suas casas (e, conforme o caso, dos colégios particulares), se encontram na rua, vão aos supermercados e às discotecas, e encontram outro ambiente completamente diferente.

Não é possível criar um micro-clima no qual todos vivam tranqüilos. Não é possível se refugiar numa torre de marfim. Os cristãos verdadeiros nunca fizeram isso; porém, ainda que alguém quisesse fazê-lo, hoje em dia não é possível. Em tempos anteriores, os pais podiam controlar as cartas de seus filhos, se lhes parecesse oportuno. Hoje em dia, isto seria uma falta de realismo, já que existem o celular, o e-mail, o fax. Mais que afastar-se da sociedade pluralista, convém ajudar os filhos a viverem nela, a orientarem-se nela e a serem felizes nela. Só aquele que quer este mundo pode mudá-lo! Por isso, é preciso buscar um novo encontro entre o Evangelho e a cultura.

3. TAREFAS DO EDUCADOR

Então, como se pode viver cristãmente, como sobriedade e bom humor, numa sociedade consumista? Trata-se, realmente, de uma questão muito difícil. Necessitamos de muita compreensão e paciência. "Educar três filhos hoje em dia é como ter educado quinze nas gerações anteriores", costuma dizer uma professora experimentada... . Não há receitas. Cada um tem que encontrar seu modo individual de agir, de acordo com as circunstâncias variáveis de cada caso.

Continuando, gostaria de propor algumas idéias para a reflexão pessoal de cada um.

3.1 Começar pelo próprio educador

Um antigo dito popular reza: "Busca para ti um mestre ao qual possas apreciar mais pelo que vês dele que pelo que ouves dele." De maior importância que este ou aquele esforço concreto é a pessoa do educador. Um bom mestre influencia mais por sua vida, por sua mera existência, que pelas lições que dá. O Papa João Paulo II confessou em várias ocasiões: "Meu pai exigia tanto de si mesmo que não tinha que exigir nada de mim." Uma velha história conta que um dia uma mãe desesperada buscou um rabino famoso e lhe perguntou: "O que devo fazer? Meu filho é viciado nos bens materiais. Como posso mudá-lo?" O rabino respondeu: "Não tens que mudar o teu filho, mas a ti mesma. Os problemas de teu filho refletem teus próprios problemas. Muda-te a ti mesma!" Este juízo, claro, não se pode nem se deve aplicar a qualquer família que tem dificuldades na educação dos filhos. Seria uma grave injustiça. Porém, pode-se aplicar ao conjunto de uma geração. Isto é, os jovens expressam muitas vezes com clareza as atitudes profundas dos adultos.

O que podemos fazer? Em primeiro lugar, crescer na consciência da própria responsabilidade. Tudo o que fazemos influi no ambiente que nos rodeia. Não podemos nos queixar do anonimato e da comodidade próprios das sociedades de consumo, porque nós mesmos as criamos, ou, ao menos, contribuímos para que se mantenham.

Há algumas décadas, quando um menino forte pegava outro menor na rua, qualquer pessoa que passava ajudava o menino mais fraco e admoestava o menino mais forte. Os adultos reconheciam sua responsabilidade; todos eles se sentiam educadores da juventude. Às vezes, agiam com severidade, porém tinham um rosto humano, Hoje, em compensação, os pais buscam um advogado para esses casos. E todos os demais não fazem nada; limitam-se a malentar os desvios dos jovens. Uma pessoa que quer viver com desenvoltura na sociedade pluralista – e ajudar os demais a fazer o mesmo – tem que sair do anonimato e da massificação. Tem que agir segundo seus próprios juízos e adquirir um estilo próprio de vida.

Os adolescentes observam muito. Dão-se conta dos motivos que movem seus mestres. Notam se os pais podem por limites a seus desejos de posse ou não. Às vezes, acontecem coisas verdadeiramente ridículas: compram-se vans familiares, quando se tem um filho apenas, identifica-se o êxito com um perfume... Uns meninos que viviam num orfanato me diziam uma vez: "Não é verdade que nossos pais não tenham tempo para nós. A verdade é que há muitas coisas mais importantes para eles: os negócios, o esporte, os companheiros e as viagens". Os educadores também são "filhos de seu tempo". Devem ter uma atitude generosa, se quiserem orientar aos demais. Não têm que ser perfeitos, porém, sim, autênticos. Não importa que tenham defeitos e fraquezas; estes, inclusive, podem fazê-los mais amáveis. Porém, deveriam lutar sinceramente, e com sentido positivo, para vencer seus caprichos pouco a pouco.

3.2 Robustecer a segurança pessoal

Os psicólogos sublinham: "Por trás de cada toxicomania há uma nostalgia". Uma pessoa, cujo bem estar depende da televisão, do álcool, da droga, de viagens ou vestidos, busca, na realidade, outra coisa que não encontra na televisão, nem no álcool, nem no novo casaco de peles. Falta-lhe segurança, proteção e carinho; e, sobretudo, falta-lhe o apreço dos demais. Muitas vezes, não tem autoestima. Não podia desenvolver uma consciência sadia da própria dignidade. Por isso, não é capaz de se abrir aos demais. Tem um egoísmo escandaloso, porém, esse egoísmo é doentio. Quer ter mais para ser mais.

A falta de segurança pessoal é notória em nossos dias. As livrarias dedicam toda uma estante a livros como "DEZ CONSELHOS PARA ELEVAR SUA AUTOESTIMA", "COMO RECUPERAR SUA AUTOESTIMA", "OS ADOLESCENTES E A AUTOESTIMA". Até em metrôs se podem encontrar cartazes que convidam a participar num "TREINAMENTO DE AUTOESTIMA". A crise de segurança pessoa é um fenômeno preocupante; é um índice de falta de saúde mental. Por isso, às vezes, tem pouco sentido admoestar uma pessoa para que não gaste tanto dinheiro com coisas nocivas ou supérfluas. É preciso robustecer a segurança pessoal.

Em seus primeiros anos de vida, toda criança realiza uma descoberta básica que será de vital importância em seu posterior caráter: o "SOI IMPORTANTE, ENTENDAM-ME E QUEIRAM-ME" ou "ESTOU DE LADO, ESTORVO". Sob os cuidados de pessoas solícitas, formam-se jovens espiritualmente estáveis, carinhosos e responsáveis. Porém, se faltam esses cuidados, pode acontecer que os jovens logo não sejam capazes de estabelecer relações, nem de trabalhar com seriedade. E, tão pouco, podem utilizar os bens materais retamente.

Sem dúvida, temos que acreditar nas capacidades destes jovens e dá-lo a entender. Às vezes, impressiona ver como pode uma pessoa se transformar se lhe é dada confiança; como muda se é tratada segundo a idéia aprefeiçoada que se tem dela. Há muitos educadores bons que sabem animar os jovens a serem melhores através de uma admiração discreta e silenciosa. Comunicam-lhes a segurança de que há muita coisa boa e bela dentro deles, que, com paciência e constância, animam e ajudam a desenvolver.

Quando uma pessoa adquiriu confiança em si mesmo, pode independer-se, pouco a pouco, do que dizem os outros. Adquire o valor de ir contra a correnteza, sem se endurecer ou desaprovar os outros.

3.3 Orientar para grandes ideais

Não faz falta criticar continuamente a situação de nossas sociedades. Uma pessoa que admoesta e dá lições é pouco atraente. É melhor ensinar os jovens a abrir e dilatar a alma, a orientar as ansiedades para grandes ideais. No ambiente atual, nota-se às vezes certa resignação e pouca vontade de educar. Porém, também hoje em dia, há muitos jovens inquietos; há uma rebeldia sadia contra a tendência ao mínimo esforço de seguir a moda. Há algum tempo, disse um menino de 17 anos na televisão alemã: "Nesta sociedade somente contam o dinheiro e os carros grandes. Este não pode ser o sentido da vida. Para nós valem mais a amizade e o companheirismo". É uma tragédia que esse rapaz era um neonazista, e havia sido preso pela polícia.

A muitas pessoas, no fundo, aborrecem-nas a televisão e a vida aburguesada com sandálias e cerveja. Quanto mais se entretém, mais se aborrecem. Por isso, buscam coisas cada vez mais absurdas para se satisfazerem, como Nero, que incendiou meia Roma para se divertir. Hão de aprender, em troca, a observar, a servir e a vibrar com a natureza, com a música, com a leitura, com a conversação, com o contraste de idéias. Há um imenso panorama para abrir inquietudes, para despertar interesses, para semear curiosidades.

A causa última da patologia do consumo não é o desenvolvimento material, mas um sistema de idéias que tirou do homem seus verdadeiros fins, que sempre estão mais além da posse de objetos. A pessoa não é um animal. Em todo caso, "é o único animal com mãos", como disse Santo Tomás. Não tem garras para agarrar cada vez mais coisas, mas sim mãos para cuidar e para orientar tudo ao bem maior.

É preciso ajudar os jovens a descobrir a dignidade humana e o autêntico sentido da vida. Se uma pessoa tem um projeto de vida muito alto, luta com sonho para consegui-lo e está disposta a renunciar a coisas secundárias e triviais. Então, se dá conta, por si mesma, da necessidade de dizer que não. Pode fazer a experiência de que o trabalho, o servço aos outros, a amizade e a generosidade contrinuem mais para a felicidade do que vestir-se conforme a última moda. Assim, o consumismo egoísta deixa de ser um problema, sem que se fale muito dele. É importante apontar muito alto para engrandecer o coração e mobilizar as energias. "Quando queres construir um navio e procuras pessoas para realizar esta tarefa", sublinha um ditado popular alemão, "não lhes digas que procurem o material e façam cálculos complicados, mas desperta nelas os desejos para o oceano grande e amplo".

Quando uma pessoa tem metas altas e o sonho de consegui-las, então chegou a hora de educar também na arte de renunciar. Todos os grandes sábios da humanidade conheciam esta arte e a recomendaram vivamente aos outros, desde Diógenes, o "filósofo do desprendimento" que estava feliz no seu barril, até Wittgenstein, filósofo dos nossos dias, que deu os milhões que havia herdade aos seus irmãos, para poder trabalhar com tranqüilidade. Se se tem uma atitude positiva diante da realidade, então é possível aprender a dizer "não".

3.4 Fomentar a solidariedade

O desenvolvimento da personalidade, logicamente, é apenas um efeito da renúncia. Não pode ser, muito menos, seu motivo. Tratar-se-ia, então, de uma espécie de egoísmo e soberba, que seria tanto mais doente quanto mais escondida por trás de atitudes louváveis...

O estoicismo nunca foi um ideal cristão. Um cristão renuncia por amor. Como qualquer outra pessoa que vive medianamente bem numa sociedade consumista, não pode ficar tranqüilo diante da fome, da miséria, da marginalização de tantas pessoas em todo mundo. Se for capaz de um mínimo de compaixão, quererá repartir sua sorte com os demais. Buscará formas de se solidarizar com seus irmãos dos outros continentes e estará não menos disposto a aliviar as necessidades pequenas ou grandes que detecta ao seu redor. Numa palavra, empenha-se em oferecer o que é seu e falta ao outro. E não faz isto para alcançar a própria perfeição, mas pela convicção profunda de que ele mesmo como todas e cada uma das pessoas humanas, deve prestar ajuda aos que dela necessitam, na medida de suas possibilidades.

Isto, até as crianças compreendem. Conheço uma mãe que se preocupa muito por inculcar em seus três filhos a generosidade e a solidariedade com os demais. Por isso, tem o costume de visitar com eles os orfanatos, cada ano, nas férias de verão. Antes de irem, os filhos escolhem alguns dos seus jogos mais apreciados e os presenteiam aos meninos necessitados. Há pouco aconteceu uma coisa que deu grande alegria à mãe. A filha maior da família, de 9 anos, ganhara uma bicicleta no dia do seu aniversário. Seu maior desejo havia sido realizado! Depois do primeiro entusiasmo, a menina foi sozinha ao orfanato e entregou a bicicleta. A generosidade dá alegria já que responde a uma íntima exigência de nossa natureza. O homem não somente tem mãos para possuir, mas também para dar. É "simplesmente o ser com capacidade de dar" que realiza justamente a doação.

Somos livres de renunciar às coisas mais lícitas e belas pelos motivos mais variados. O que move um cristão não é somente o amor aos homens; move-lhe também o amor a Deus. Daixa-se fascinar pelo desprendimento e a liberdade de Jesus Cristo, e quer viver tão sobriamente como seu Senhor. Porém, isto é possível também hoje em dia? Pode-se viver a fé cristã em nossa sociedade consumista? Também os filhos e netos da geração "hippy" estão em condições de compreender a mensagem cristã? Referimo-nos ao cristianismo em toda a sua dimensão, não apenas a uns eslogans religiosos que excitam as massas durante os festivais de rock.

3.5 Educar testemunhos do amor de Deus

Sim, os jovens são capazes de abraçar a fé, hoje como antes. Para seguir Jesus Cristo, uma pessoa necessita da força da graça divina e mão de algumas circunstâncias socioculturais ótimas. Isso o sabemos desde os primeiros séculos da era cristã. Por isso, resulta mais urgente reforçar a identidade cristã que mudar alguns traços superficiais da sociedade. A tarefa educativa consiste, principalmente, em ajudar os jovens a encontrar o Deus verdadeiro para que, levados pela graça, se enamorem dEle.

Logo farão o mundo mais humano – O que as pessoas do nosso tempo anseiam é uma espiritualidade ancorada numa teologia sólida e aberta. Esta necessidade teria que mover os cristãos a transmitir a fé com clareza, sem minimizar suas exigências ao nível que marca a New Age. É esse o serviço maior e mais belo que uma pessoa pode prestar à sociedade nos momentos atuais, nos quais muitos contemporâneos estão sofrendo uma vertigem de existência superficial: ajudá-las a sair do desespero e a renunciar a uma vida burguesa, consumista e egocêntrica.

Neste novo começo – que é urgente e apaixonante por sua vez – situa-se a soberania com relação às coisas que nos rodeiam. Um cristão tem mais razões que ninguém para viver o desprendimento e a sobriedade, e para ensinar os outros a vivê-los. Quer seguir a Cristo, participar no mistério da redenção e levar a cruz com Ele. Se somente desfrutamos das comodidades da nossa soiedade, talvez seguimos Cristo muito de longe; tão de longe que não experimentamos nem rastro de Sua cruz. Se, por outro lado, nos queixamos das exigências da vida cristã, pode ser isto também um sinal de que não estamos ainda suficientemente perto do Senhor. Certo tom de queixa está em contradição com a essência do amor.

Quem ama, aceita esforços e trabalhos – Certamente, a cruz é uma loucura. Porém, se trata de uma loucura de amor e de entrega que pode atrair também hoje em dia uma pessoa que busca o sentido da vida. Os jovens querem que se lhes exija, num clima de confiança e compreensão. Se não se lhes exige nada, despreza-se sua personalidade. Ainda que o desprendimento cristão custe, tem um sentido positivo, libertador e enaltecedor da capacidade do homem, porque permite aproximar-se de Deus e dar-se aos demais.

EM SUMA, PODERÍAMOS DIZER: o cristão aceita e quer o mundo que o rodeia. Por sua vez, tratará de ser sóbrio. Esta atitude não se baseia numa recusa ao progresso ou à técnica, nem em proibições ou controles. Baseia-se simplesmente numa opção clara por Cristo. Não vive as virtudes por falta de ocasiões, mas pelo desejo libérrimo de seguir os caminhos do amor em plena sociedade consumista.